Por J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 27 de abril de 2022
Descontados o falatório vadio, os argumentos sem nexo lógico elementar e as desculpas esfarrapadas, temos neste momento a seguinte situação: as “oposições”, a média das “análises políticas” e a ideia de que o Supremo Tribunal Federal tem de governar o Brasil, se é que isso chega a ser uma ideia, acabam de levar um xeque-mate.
O perdão concedido pelo presidente da República ao deputado Daniel Silveira não foi previsto por ninguém e deixou o partido do STF sem condições de ter uma reação coerente; ao mesmo tempo, é certo que não há grande coisa que se possa fazer para anular o que está feito.
O decreto que dá o indulto é plenamente constitucional. As queixas automáticas apresentadas contra ele no STF ficaram num nível estudantil, ou nem isso. O próprio ministro Alexandre de Moraes, figura central de todo este tumulto, decidiu em 2018 que o então presidente Michel Temer tinha, sim, o direito indiscutível de perdoar condenados na Operação Lava Jato.
Não precisava justificar nada, não tinha de pedir licença a ninguém, podia perdoar de forma coletiva ou individual, podia desfazer qualquer sentença — enfim, disse Moraes, pode-se gostar ou não, mas o indulto presidencial é um ato juridicamente perfeito, que não está sujeito à apreciação superior.
Mas então é possível anular os efeitos de uma sentença da Justiça, dada em sua Corte mais alta? Sim, é perfeitamente possível. Paciência: indulto presidencial é isso mesmo, segundo estabelece a Constituição.
Ele sempre desmancha uma decisão judicial, e não pode ser de outra forma — não for assim, não existe indulto. Além do mais, de lá para cá, essa coisa de perdoar crimes cometidos só avançou numa direção — a de perdoar mais ainda.
Fica realmente complicado, no Brasil de hoje, dizer que o indulto de Daniel Silveira será um “incentivo à impunidade”.
Nem se fale aqui das liberações em massa das penas da Lava Jato, dos corruptos que hoje reclamam indenização, ou das 25 questões que jazem nesse mesmo STF contra o senador Renan Calheiros, um dos mais irados opositores do decreto presidencial.
O assunto morre e fica sepultado com a anulação das quatro ações penais que salvaram o ex-presidente Lula, num dos momentos mais insanos da Justiça brasileira — sumiram, simplesmente, as suas condenações pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, em terceira e última instância, e por nove juízes diferentes. Depois disso, quem pode reclamar do quê?
É um nó de marinheiro, daqueles que ninguém consegue desfazer. O STF talvez devesse ter pensado na possibilidade do indulto na hora em que se dedicava a condenar o deputado a quase nove anos de prisão fechada, ao fim de um processo ilegal em tudo.
Agora levou um “basta”. Vai ter de conviver com ele — ou jogar o país numa crise entre Poderes de efeitos desconhecidos.