J. R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 23 de fevereiro de 2025
A denúncia criminal feita pela PGR contra o ex-presidente Bolsonaro, com pedidos de prisão que, um em cima do outro, chegam a 43 anos, permite mais de um tipo de abordagem.
Que tal começar pela mais simples?
Trata-se de responder à seguinte pergunta:
você acredita, honestamente, que um tribunal de justiça da Alemanha ou da Suíça, por exemplo, ou de qualquer país civilizado, aceitaria a peça assinada pelo procurador Gonet, tal como ela está?
Ou mandaria arquivar a denúncia no ato, por não apresentar nenhuma prova minimamente séria?
O regime ora em vigor, como os aiatolás do Irã, criou uma religião oficial no Brasil, com um dogma supremo: você tem de acreditar que o governo anterior agiu para dar um golpe, ou quis agir, e só não deu porque não conseguiu.
E as provas de que isso de fato ocorreu? É uma questão religiosa, também.
Na Idade Média, como se sabe, os gatos gordos da Igreja mostravam um pedaço de metal enferrujado para as pessoas e garantiam que era um prego da cruz.
Uma lasca de madeira era apresentada como fragmento da coroa de espinhos, e vidrinhos com tinta vermelha eram o sangue do próprio Cristo.
Com o Golpe dos Estilingues é a mesma coisa.
A Polícia Federal, há dois anos, diz qualquer negócio, mas qualquer negócio mesmo; a mídia reproduz, sem checar os fatos, exatamente o que lhe disseram; o que é a declaração de um policial vira, por milagre, prova com valor judicial para a PGR.
É uma linha de montagem para a produção de material probatório de todos os tipos — e assim como o padre garantia que a toalha do altar era feita com o véu da Virgem Maria, a polícia e demais autoridades garantem que tudo o que estão falando é sério.
É acusação? Então é verdade.
O resultado é uma situação curiosa.
Um cidadão com os circuitos mentais em rotação normal ouve há dois anos essas histórias e diz: “Mas nada disso é prova”.
A resposta automática e indignada dos crentes é:
“Há prova, sim, e em excesso. Olha aí tudo o que a Polícia Federal está dizendo. Não é prova? O que mais você quer”?
Falam, então, dos depoimentos, das delações, dos vídeos, dos áudios, das minutas do golpe, do Punhal Verde-Amarelo, da sacola de vinho, dos Kids Pretos.
Mas de golpe, que é bom, nada.
Nada deixa isso tudo tão claro como a joia da coroa da peça de acusação: a delação do coronel Cid.
O sigilo em torno de seu interrogatório foi aberto — e ficou evidente, em áudio gravado, que Alexandre de Moraes ameaçou de prisão Cid, seu pai, sua mulher e sua filha maior, se ele não apresentasse os fatos que o ministro queria.
Bastaria isso, em qualquer democracia do mundo, para a justiça jogar a denúncia da PGR no lixo.
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