A frase é de Augusto Aras. Foi dita em 28 de julho de 2020 pelo então procurador-geral da República, nomeado em 25 de setembro de 2019 por Jair Bolsonaro.
O então presidente estava incomodado com o avanço das investigações sobre seu filho Flávio, atingido por um desdobramento da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro, a Operação Furna da Onça, como indicou um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) divulgado em 6 de dezembro de 2018.
Os meses seguintes mostraram a disposição do PGR de Bolsonaro para acelerar o fim da força-tarefa que havia revelado a corrupção institucionalizada na Petrobras durante os governos do PT de Lula e Dilma Rousseff. A Lava Jato foi encerrada em São Paulo em setembro de 2020, no Paraná em fevereiro de 2021 e no próprio Rio, claro, em março do mesmo ano, como anunciou o Ministério Público Federal.
“Eu acabei com a Lava Jato”, vangloriou-se Jair Bolsonaro em 7 de outubro de 2020, celebrando a extinção da frente paulista e a projeção dos outros encerramentos. Lulismo e bolsonarismo, não sem a colaboração decisiva do aliado Gilmar Mendes, ficariam livres dos processos decorrentes da operação, assim como velhos tucanos, caciques do Centrão e empresários amigos do ministro do Supremo Tribunal Federal.
Quase cinco anos depois, contudo, o legado de provas materiais e testemunhais coletado pela força-tarefa voltou a produzir efeitos e embaraços no mundo real, com uma sequência de fazer lembrar à da personagem de Uma Thurman no filme “Kill Bill” – do diretor Quentin Tarantino –, que escapa de um caixão profundamente enterrado e irrompe solo acima, pronta para assombrar novamente quem tentou sufocá-la.
No período de apenas 12 dias entre 14 e 25 de abril de 2025, três prisões (Ollanta Humala, Fernando Collor de Mello e Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos) e quatro novas condenações (Ollanta Humala, Nadine Heredia, Renato Duque e Luis Alfeu Alves de Mendonça) decorrentes da Lava Jato irromperam no noticiário nacional e internacional, confirmando a força das investigações originais e reavivando a indignação de parte da sociedade brasileira com a impunidade dos demais alvos.
Resumo das novidades
As novidades se distribuíram em três episódios emblemáticos:
1.
Em 14 de abril, Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras, e o empresário Luis Alfeu Alves de Mendonça, sócio da Multitek Engenharia, foram condenados por corrupção e lavagem de dinheiro. Na decisão divulgada no dia 22, o juiz federal substituto Guilherme Roman Borges, da 13ª Vara Federal de Curitiba, impôs penas de 29 anos e 2 meses de reclusão para Duque; e de 11 anos, 6 meses e 22 dias de reclusão para Mendonça, além de multas a ambos.
Entre 2011 e 2012, Mendonça pagou mais de R$ 5,6 milhões em propina para Duque, em troca de favorecimento à empresa de rolamentos industriais em licitações e contratos com a Petrobras. Os contratos que foram alvos do MPF somam mais de R$ 525 milhões, incluindo aditivos. Duque está preso desde agosto de 2024, cumprindo pena relativa a outras quatro condenações.
A frase é de Augusto Aras. Foi dita em 28 de julho de 2020 pelo então procurador-geral da República, nomeado em 25 de setembro de 2019 por Jair Bolsonaro.
O então presidente estava incomodado com o avanço das investigações sobre seu filho Flávio, atingido por um desdobramento da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro, a Operação Furna da Onça, como indicou um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) divulgado em 6 de dezembro de 2018.
Os meses seguintes mostraram a disposição do PGR de Bolsonaro para acelerar o fim da força-tarefa que havia revelado a corrupção institucionalizada na Petrobras durante os governos do PT de Lula e Dilma Rousseff. A Lava Jato foi encerrada em São Paulo em setembro de 2020, no Paraná em fevereiro de 2021 e no próprio Rio, claro, em março do mesmo ano, como anunciou o Ministério Público Federal, comandado por Aras.
“Eu acabei com a Lava Jato”, vangloriou-se Jair Bolsonaro em 7 de outubro de 2020, celebrando a extinção da frente paulista e a projeção dos outros encerramentos. Lulismo e bolsonarismo, não sem a colaboração decisiva do aliado Gilmar Mendes, ficariam livres dos processos decorrentes da operação, assim como velhos tucanos, caciques do Centrão e empresários amigos do ministro do Supremo Tribunal Federal.
No período de apenas 12 dias entre 14 e 25 de abril de 2025, três prisões (Ollanta Humala, Fernando Collor de Mello e Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos) e quatro novas condenações (Ollanta Humala, Nadine Heredia, Renato Duque e Luis Alfeu Alves de Mendonça) decorrentes da Lava Jato irromperam no noticiário nacional e internacional, confirmando a força das investigações originais e reavivando a indignação de parte da sociedade brasileira com a impunidade dos demais alvos.
Resumo das novidades
As novidades se distribuíram em três episódios emblemáticos:
1.
Em 14 de abril, Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras, e o empresário Luis Alfeu Alves de Mendonça, sócio da Multitek Engenharia, foram condenados por corrupção e lavagem de dinheiro. Na decisão divulgada no dia 22, o juiz federal substituto Guilherme Roman Borges, da 13ª Vara Federal de Curitiba, impôs penas de 29 anos e 2 meses de reclusão para Duque; e de 11 anos, 6 meses e 22 dias de reclusão para Mendonça, além de multas a ambos.
Entre 2011 e 2012, Mendonça pagou mais de R$ 5,6 milhões em propina para Duque, em troca de favorecimento à empresa de rolamentos industriais em licitações e contratos com a Petrobras. Os contratos que foram alvos do MPF somam mais de R$ 525 milhões, incluindo aditivos. Duque está preso desde agosto de 2024, cumprindo pena relativa a outras quatro condenações.
2.
Em 15 de abril, o então preso preventivo Ollanta Humala, ex-presidente do Peru, e sua esposa, a ex-primeira-dama Nadine Heredia, foram condenados pela Justiça peruana a 15 anos de prisão cada um, por lavagem de dinheiro (US$ 3 milhões no caixa de campanha dele) recebido da construtora brasileira Odebrecht (atual Novonor) e da ditadura da Venezuela, então sob Hugo Chávez. No dia da condenação, Nadine foi recebida na embaixada brasileira em Lima e, no dia seguinte, chegou a Brasília em avião da Força Aérea Brasileira (FAB), com asilo político concedido pelo governo do velho aliado Lula, criticado por opositores e jornalistas por acolher (e garantir o silêncio de) uma criminosa de outro país, 15 anos depois de ter concedido asilo ao terrorista italiano Cesare Battisti.
3.
Em 25 de abril, Fernando Collor de Mello (PTB-AL), ex-presidente eleito como “caçador de marajás” em 1989 derrotando Lula e alvo de impeachment em 1992 como beneficiário do esquema de corrupção operado pelo tesoureiro de sua campanha, o empresário Paulo César (“PC”) Farias, foi preso em Maceió, horas após o ministro Alexandre de Moraes, do STF, ter rejeitado seus últimos recursos e ordenado o início do cumprimento da pena. Collor, que também foi senador por dois mandatos consecutivos de 2007 a 2023, fora sentenciado pelo plenário do Supremo, em maio de 2023, a 8 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial fechado, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O operador Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, ex-ministro de Assuntos Estratégicos(!) do governo Collor, também foi preso por ordem de Moraes. Sua pena é de 4 anos e 1 mês de reclusão, em regime inicial semiaberto, por corrupção passiva. Já o empresário Luis Pereira Duarte de Amorim foi condenado a 3 anos de reclusão, em regime aberto, por lavagem de dinheiro, “sendo cabível a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes na limitação de final de semana, e prestação de serviços à comunidade”, como diz a decisão do ministro do STF.
Com ajuda de Leoni Ramos e Duarte de Amorim, Collor recebeu R$ 20 milhões de propina da UTC Engenharia para viabilizar na BR Distribuidora, então subsidiária da Petrobras, contratos – que totalizavam R$ 650 milhões – para construção de bases de distribuição de combustíveis. A negociata, denunciada em 20 de agosto de 2015 pelo então PGR Rodrigo Janot, funcionou entre 2010 e 2014, período que abarca o último ano do segundo mandato presidencial de Lula e quase todo o primeiro mandato de Dilma Rousseff.
Ricardo Pessoa, então presidente da UTC, foi preso em 2014 na primeira ofensiva da Lava Jato contra empreiteiras que se revezavam na obtenção de contratos da Petrobras mediante suborno. Em abril daquele ano, o empresário ganhou o benefício da prisão domiciliar e, em maio, assinou acordo de colaboração premiada com a PGR, no qual detalhou o petrolão e citou a reprodução do esquema em obras da Usina Nuclear de Angra 3, no Rio, envolvendo a Eletrobrás e sua subsidiária para o setor, a Eletronuclear.
Pessoa contou, entre outros detalhes, que acertou “o valor fixo de 20 milhões de reais” com o ex-ministro Leoni Ramos e que “os valores foram pagos em parcelas mensais ao longo de 2 anos, entre o final de 2010 e 2012”.
Apesar de tudo, Moraes, no feriado de 1º de maio de 2025, Dia do Trabalhador, concedeu prisão domiciliar “humanitária” a Collor, com uso obrigatório de tornozeleira eletrônica, acatando a manifestação feita em 30 de abril pelo atual PGR Paulo Gonet, segundo o qual o benefício “é medida excepcional e proporcional à sua faixa etária e ao seu quadro de saúde, cuja gravidade foi devidamente comprovada” nos autos.
Os advogados do ex-mandatário de 75 anos haviam apontado, com laudo médico, que ele trata as doenças de Parkinson, apneia do sono grave e Transtorno Afetivo Bipolar. Collor, questionado em audiência de custódia se “tem alguma doença” e “faz uso de algum medicamento” de modo contínuo, havia respondido: “Não.” Sempre se pode, porém, alegar bipolaridade para qualquer postura contraditória.
Fantasmas do passado
Com Lula novamente no poder, a repercussão dos três episódios resumidos acima voltou a lançar luz sobre os elos do atual presidente com os envolvidos em corrupção dentro e fora do Brasil, e que, ao contrário dele, não foram inteiramente blindados por um tribunal camarada, embora tenham sido alvos da mesmíssima operação.
Foi Lula quem entregou parte da BR Distribuidora para Fernando Collor de Mello, em troca de apoio político do PTB no Congresso Nacional, como indicaram o colaborador Nestor Cerveró, ex-diretor da Área Internacional da Petrobras, e o então PGR Rodrigo Janot. Foi com Lula e o então ministro Antônio Palocci que Marcelo Odebrecht acertou os pagamentos para a campanha de Ollanta Humala, segundo o próprio ex-presidente da Odebrecht. Foram petistas ligados ao então ministro José Dirceu que colocaram Renato Duque na diretoria de Serviços da Petrobras, com a condição de que topasse arrecadar propina para o partido de Lula, de acordo com o próprio ex-diretor.
O contraste entre a impunidade do lulopetismo e as sentenças contra Duque, Mendonça, Humala, Nadine, Collor e Leoni Ramos ficou tão evidente que a tentativa do sistema de explicar “diferenças” e de se defender das críticas caiu no ridículo.
A colunista Míriam Leitão, dias antes de ser eleita para a Academia Brasileira de Letras, afirmou no jornal O Globo, com base em conversa realizada com uma “fonte” no dia da prisão do ex-presidente, que “o caso de Collor não nasce em Curitiba”. A fake news foi logo desmascarada pelo senador Sergio Moro (União Brasil-PR), ex-juiz da Lava Jato na capital paranaense, e rendeu até nota de correção da comunidade do X na postagem original. Moro havia autorizado em 2014 a operação de busca e apreensão durante a qual a Polícia Federal encontrou comprovantes de depósitos de R$ 50 mil do doleiro Alberto Youssef para Collor, que naquele momento tinha foro privilegiado de senador. Foi a partir dessas provas, encaminhadas pelo então juiz ao STF, que se desbaratou o esquema milionário de corrupção e lavagem de dinheiro na BR Distribuidora.
Legado histórico
A Lava Jato, como força-tarefa, foi acabada, extinta, encerrada, enterrada formalmente com a repetição ad nauseam de construções retóricas como “lavajatismo”, “vício”, “contaminação”, “conluio”, “projeto de poder político” e outras tantas, desprovidas de correspondência fática suficiente para justificar a eliminação de qualquer conjunto probatório. A Lava Jato, no entanto, sobrevive como legado histórico, e seguirá produzindo efeitos e embaraços no mundo real, justamente pela força dos fatos revelados, das conexões feitas, dos métodos destrinchados e da memória das condutas praticadas pelos protagonistas do subdesenvolvimento latino-americano. Não se apaga a história de um continente com meras canetadas. E essa história não há de passar.