O Brasil paga aos corruptos por serviços prestados. Por J.R.Guzzo

O Brasil, dentro da extraordinária segurança jurídica que o STF garante hoje aos acusados por crimes de corrupção, e mesmo aos já condenados, está oferecendo ao mundo uma invenção jamais tentada até hoje na ciência do Direito: o pagamento aos corruptores por serviços prestados à sociedade.

O ministro Dias Toffoli está se tornando uma autoridade mundial no assunto.

Acaba de suspender o pagamento da multa de R$ 3,8 bilhões que a construtora Odebrecht tem com o Tesouro Nacional, como foi estipulado no acordo que assinou com o Ministério Público ao admitir a prática de corrupção em 49 contratos com o governo na primeira era Lula-Dilma.

Em troca disso, os diretores da empresa foram poupados de ir para a prisão.

Toffoli decidiu, agora, que eles não precisam fazer nenhuma das duas coisas: nem vão para a cadeia e nem pagam os R$ 3,8 bilhões.

Como o dinheiro não era mais da Odebrecht, e sim do Erário, a decisão do ministro vale como um pagamento à empresa: os acusados confessaram a corrupção, não foram presos porque assinaram o acordo, e agora fica tudo zerado.

O argumento de Toffoli, em conformidade com a jurisprudência que ele próprio criou, é um desafio à lógica comum.

Há “dúvida razoável”, segundo ele, sobre a “voluntariedade” da Odebrecht em assinar o acordo que assinou – ou seja, não está claro se ela queria mesmo trocar a prisão pelos R$ 3,8 bilhões.

A única conclusão possível, então, é que os diretores preferiam ir para a cadeia, mas foram forçados a aceitar a multa.

Sempre foi do entendimento universal que ninguém, jamais, paga por livre e espontânea vontade um centavo de qualquer tipo de multa. Mas também não se sabe de ninguém que, tendo dinheiro no bolso, tenha preferido ser preso para não pagar.

Toffoli repetiu com a Odebrecht exatamente o que tinha feito com uma outra corruptora confessa – a J&F, dona do maior frigorífico do Brasil, cujos diretores também assinaram um acordo de leniência para não serem presos pelo crime de corrupção ativa.

A diferença é que o perdão para a J&F saiu bem mais caro para a população – o pagamento, aí, era superior a R$ 10 bilhões.

Antes disso, o ministro havia declarado nulas as provas materiais de corrupção contra a mesma Odebrecht, como confissão dos crimes e devolução de dinheiro roubado.

Destruíram-se as provas, mas preservou-se o dinheiro – que agora é devolvido à empresa.

Na verdade, a coisa toda vai ficando na moda.

Já há uma empresa suíça, que assinou acordo semelhante num caso de suborno na Casa da Moeda, e quer a devolução dos 270 milhões de reais de multa que pagou – do total de 750 milhões que tem de pagar.

O Brasil voltou, como se vê.

Artigo de J.R. Guzzo, jornal o Estadão

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